Hoje, cinquenta e seis anos
depois, é isso mesmo, 56, minha memória foi acionada pela simples alusão ao
navio Cuyabá. Corri a fazer pesquisas e a procurar informações da época em que
estive neste navio, aos cinco anos de idade. Novembro de 1955, Estado de Sítio
no país.
Os fatos foram vindo tão nítidos,
as imagens como fotografias em preto e branco de um tempo que mudou nossas
vidas: a viagem ao Rio de Janeiro. Com certeza, naquela época e com tão pouca
idade, não sabíamos avaliar o que significava essas breves férias numa cidade
tão longe.
Meus avós, moradores da Cidade Maravilhosa, pagaram as passagens e a avó Regina foi assessorando o “pequeno grupo
familiar visitante”: mamãe, quatro filhos – um bebê de apenas cinco meses, a
prima de mamãe, Martinha. Inesquecível Martinha que ajudava mamãe na tarefa de
cuidar de família tão numerosa. Éramos sete irmãos, apenas os menores vieram. Mamãe ainda teria mais cinco, que disposição!
Enormes malas de madeira
completavam o conjunto da obra.
Foi uma viagem tranquila, pelas escotilhas a única paisagem possível: o mar. E como tinha
mar, a viagem era longa. As novidades eram comer feijão preto e maçã, alimentos
ainda não populares em nossa nordestina cidade Natal. Também tinha os beliches
e os “passeios” pelo interior daquele mundo novo e balançante.
A caldeira, em particular,
chamava minha atenção, era um lugar vermelho em brasa e muito quente. Eu parava
na porta e ficava sem entender pra que servia, depois percebi que era a
responsável por aquele monte de fumaça que saia lá em cima no navio. Navio a
vapor, um sistema, que pra ser franca, nunca procurei saber como funcionava.
Um belo dia, sumiu minha irmã
mais nova (três anos) da visão de minha mãe. Ela deu o alerta e, imediatamente,
muitos marinheiros começaram a procurar a criança. Foi um Deus nos acuda, uma
correria. Depois de vasculhar todo o navio e nada acharem, tiveram uma visão no
convés, de um pequeno ser delirante e feliz em plena chuva, no bico da proa.
Tinha subido na grade (acho que é o parapeito) e o vento forte e a neblina encenavam
o filme de terror.
Um silêncio mortal se fez ante
aquela situação. Havia risco de assustar a menina e ela cair no mar. Ninguém
ousou tomar uma atitude, aí entrou mamãe em cena, a sempre corajosa Maria.
Muito católica, segurou com força
no gradil e foi andando devagar e rezando: “Creio em Deus Pai todo poderoso,
criador do céu e da terra, creio em Jesus Cristo Nosso Senhor....” os marujos a
acompanhavam e formavam uma fila indiana, um dando guarida ao outro.
Quando mamãe segurou a mão da
minha irmã, os marinheiros todos a seguraram também e as resgataram. Missão
cumprida mamãe, aquele dia chuvoso por muito pouco não vira tragédia, não fosse
a sua fé e coragem. Navio Cuyabá, quantas emoções!
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