quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

HISTÓRIAS DE NÓS DOIS

















By Mércia Dantas


Ah! Como não lembrar da chegada mansa,
das conversas sem jeito e sem propósito.
Do arrojo em faltar às aulas, ir ao cinema escondidos.
O que dizer do cuidado em deixar-me à porta da casa,
do beijo na mão, outros eram mais audazes.
Como esquecer da primeira noite,
de farda escolar e tudo o mais,
da retirada dos sapatos e da areia da praia,
pra não denunciar a mudança de status.
Histórias de nós dois,
de quantos  mais também.
Das festas em que dançamos
em frenético compasso,
nossos corpos em única linguagem.
Como não lembrar do tempo que esquecemos
de contar quando juntos estávamos.
Nada mais importava, o mundo era só nosso.
Deliciosa juventude, tempo que não volta mais,
retratos em preto e branco de histórias pra contar.

Bsb, 28/02/2014


terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

LEMBRANÇAS


By Mércia Dantas

Há um mistério em torno de nós,
nas coisas que não foram ditas, apenas suspiradas.
O vento ainda sussurra teu nome, ecoa minha voz,
correndo na praia, deixando marcas na areia.
Há um sonho de amor, da juventude perdida.
Há lembranças dos nossos passos e abraços
dançando ao som caliente, iluminados
pela luz negra que esboça nossos corpos
jovens e sedentos de novidade.
Há uma história de cumplicidade total,
na permissão recíproca e imediata em estarmos juntos,
não importando o local, muito menos o tempo.
Há uma vida sempre boa de lembrar,
em que fomos apenas seres aprendendo o amor,
conjugando sorrisos, em busca da felicidade.

Bsb, 11/fev/2014








quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A DROGA DA HORA


By Mércia Dantas

Ela estava desesperada, havia sido abandonada num hospício e berrava aos prantos pra não a deixarem ali. Gritava a todos os pulmões que iria morrer, que não iria suportar aquilo. Já estava sem forças. Naquele instante, a morte seria bem vinda, alentadora, uma benção divina. Era tudo que ela queria, deixar de viver, por não entender como podiam fazer isso com ela. De repente, alguém chega e a envolve com um terno abraço e coloca um cigarro entre seus lábios. Ela tinha deixado de fumar há tantos anos, nem sabia mais como era. Mas, viciado é viciado sempre e ela tragou aquele cigarro profundamente e deixou-se levar por aquela fumaça. E sentiu-se acalentada, acarinhada, protegida, compreendida, tudo que ela precisava naquele instante. Deixou-se ficar na mornitude daquele abraço. Aquela estranha era o anjo enviado pra ajudá-la a minorar o sofrimento, pensou. E a estranha cuidou dela por muitos dias, às vezes a maltratava. Era insana em alto grau e tinha feito da nova paciente seu brinquedo. Não pôde evitar que lhe dessem o “sossega leão”, foram tantas vezes. Mas, segurava sua mão e a levava a passear pelo restrito espaço rigorosamente vigiado, conseguia cigarros com facilidade e enfiava na sua boca, como a dizer: fume, aqui não tem muito o que fazer, tente esquecer que estamos aqui. A nova paciente era bondosa e ficava com pena daquela criatura que, entre um surto e outro, misturava atitudes carinhosas e protetoras com ameaças. Em algumas noites, a novata a colocou em sua estreita cama forrada com o plástico imundo e a cobriu com seu edredon. Era um tempo chuvoso, fazia frio e o vidro da janela cheio de furos, deixava entrar água, formigas, pernilongos, toda sorte de insetos e molhava a sua cama. Já não bastava aquele banheiro imundo, fedorento, de portas quebradas, além dos maltratos dos “enfermeiros”, aquele café com leite e o pão doce que atraía uma centena de moscas. Semanas depois foram colocadas em pavilhões distintos. A nova paciente recebia ameaças e até chegou a levar socos e murros em sua cabeça. Não tinha como permanecerem juntas. Já estava recebendo juras de morte. O anjo revelara-se demônio. E agora? Como entender que alguém tão amigo, tão carinhoso, de repente quisesse por fim a sua vida? Que mal tinha lhe feito aquela nova paciente? Novo desgosto, porque a novata tinha deixado crescer dentro de si um sentimento de gratidão e uma afeição diferente de tudo que já tinha provado antes. Dias depois, quase um mês sentindo-se uma estranha no ninho, conseguiu alta e voltou para casa. Ficou um misto de carinho e dor e saudade. Vá entender como se gosta de alguém que a maltrata? Mas, ficou o registro do socorro, da solidariedade. O abraço na hora mais triste, a proteção e o cuidado com a fragilidade daquele ser humano que não houve pelos seus. Num simples gesto, ela disse: você não está só, vou cuidar de você, vou te dar proteção. É fácil de entender, difícil de esquecer alguém assim. Afinal, ela tinha sido a droga da hora.


BsB, 01/fev/2014