terça-feira, 14 de agosto de 2012

Desencanto (Era Collor)


(Foto Bruno Santos/Terra)

Brasil, já não és mais a pátria amada.
De tanto desamor para com os seus,
pôs-me em dificuldade para com os meus.

Estou adormecida, no chão,
e não em teu berço explêndido,
sonhando resolver os problemas que não criei,
mas que tenho que enfrentar, como os tantos outros.

Teu lábaro estrelado
já não brilha em mim, como no céu.

A poeira que trago nos pés,
de longas caminhadas,
faz-me sentir mendicante.

Não percebo a real riqueza
tão decantada em versos
e sempre irreal em minha vida.

Carrego meu país nas costas,
sem parecer, ao menos, Papai Noel,
senão órfã deste e dos que nos deixaram assim

As tuas matas já não são tão verdes;
as poluí com a fumaça do cigarro que fumo
para entender-te e suportar-te.

Meu olhar está perdido,
no pão de cada dia buscado a duras penas
e nem sempre conseguido.

Não quero herdar-te, pátria minha.
Não como estás agora.

Teu hino por tanto tempo
marejou-me os olhos.
Hoje, já nem sei o que cantar,
tamanho o desencanto

Te olho perplexa
e não a reconheço bandeira minha
que te subi em ginasiais.

Me olho e já nem percebo:
quem eu sou, aonde estou, para onde vou...

Brasília/1992

domingo, 12 de agosto de 2012

O TROMBONE


Herdado de Nelson Mattos, o melhor amigo,
o velho Yamaha jaz quieto, jogado num canto.

Dele e do especial e competente músico,
apenas as lembranças de tantos carnavais,
das matinès, soirès, noitadas adentro

Besame Mucho, do Ray, sem rei para herdar.

Fecho os olhos e escuto Carinhoso
tocado com a suavidade herdada de Tommy Dorsey,
assim conquistou mamãe, me disse.
E o Clube do Choro em Brasília, em 1981.

Regente, maestro, compositor,
arranjador e multi-instrumentista (como  vovô),
arrasava no Internacional Circo Tihany,
nosso Circ Du Soleil da época.

O trombone do América, da Assen, do Aero Clube,
da Rampa, do Ícaro, da banda da Base Aérea,
das orquestras da Deodoro e João Pessoa,
animando os foliões de Momo nas ruas.

Ele se confunde com você meu pai,
que vi seu carinho e dedicação a vida toda,
limpando-o com tomate e creme Pond´s,
o segredo do brilho, o deslizamento perfeito da vara

Obrigada por ter nos criado com seu sopro,
Obrigada por estar ainda entre a família, aos 96 anos.
Obrigada por ser sua morena cor de jambo

Mas a única coisa que eu sempre quis de você,
você não me deu: o aprendizado da música.
É minha maior frustração na vida.

Nunca percebeu que eu era sua sombra,
encantada com tudo que o senhor fazia,
com a disciplina militar, homem incansável
e sempre disposto a dar o melhor pra família.

Eu era menina e escondida, tentava tocar o trombone.
Acariciava cada nota de suas partituras escritas com letra tão bela:
as bolinhas com os pauzinhos pretos, como eu chamava.

Meu amor por você sempre foi grande,
ninguém amou você mais do que eu.
Mas resolvi não lhe ver mais, não falar mais,
já me despedi, às vezes penso que vou antes.
 
A vida não me ensinou a perder, nem você,
nem mamãe, nem o trombone, nem as partituras.
Perderam os guardados seus, na penteadeira de Maria.
Não tiveram zêlo pelo seu nome e grande história

Você sempre foi melhor do que vovô,
vai embora desse mundo sem deixar registros,
sem nome de rua, deixa só o trombone.

Mas me esforcei, ouvia sua frase sempre:
“vocês estudem pra não virar cabeceiros...” (*)

Estudei papai, mas você não percebeu
que eu era a aluna mais nova do Atheneu,
dez anos e sem música, o MEC tinha tirado.

Feliz Dia dos Pais, mesmo assim....

A mágoa ainda é grande, o amor também.
Quem sabe Over the Raibown a gente se encontre
e eu volte a lhe cantar Hino ao Amor, sua música preferida.

Brasília, 12/ago/2012 – Dia dos Pais

(*) Cabeceiros eram pessoas analfabetas, geralmente homens que, por falta de instrução, conseguiam sobreviver carregando compras do mercado para as madames da época. Traziam uma rodilha de pano na cabeça pra equilibrar o cesto enorme e pesado. Ganhavam algumas moedas.







segunda-feira, 6 de agosto de 2012

PONTA NEGRA

Canção de Mércia Dantas - letra e melodia

Te acolho em meus braços,
te percebo em minhas veias.

No horizonte, no espaço,
tuas velas, minhas peias.

Tatuagem, pé descalço,
tua areia, minhas meias.

Ponta Negra, Ponta Negra,
Morna areia, ponta negra....(bis)

Prancha ao mar,
sair do sol,
prancha ao mar,
cair da lua.

Praia minha, em meus sonhos,
tuas mãos nas minhas,
deixando-as nuas...

Ponta Negra, Ponta Negra,
Morna areia , ponta negra....(bis)

Careca  imagem do teu morro,
a me despir, deixando no ar...

Minha praia Ponta Negra,
tão morna areia,
brilho do mar.


Concebida em 30/05/2002 – na Pousada Brilho do Mar

DESORDEM


Deixei-me ficar nessa desordem,
descompassou o coração,
larguei travesseiros
no chão,
roupas sem lugar,
a insinuar restos da paixão.

Deixei-me estar nesta mornura,
a lembrar o gozo consentido
e farto, prolongando a
inevitável lassidão.

Deixei-me entranhar
pensamentos, de ti, tão loucos,
que, por quase pouco,
me esvaziam a razão

Deixei-me ficar assim perdida,
em alguns momentos, entorpecida,
inebriada pela tépida
lembrança da tua vinda.

Deixei-me assim,
cansada e rouca;
na languidez do ambiente
e na lembrança da tua boca,
a saciar a desordenada sede de teu ser
que nunca me diz: NÃO.

Brasília, 01/11/94 - por Mércia Dantas

MENINA BONITA


(Valsinha pra minha filha Lívia, em 1994)
Letra e melodia de Mércia Dantas

E ao nascer tão bela
fêz-se aquarela
no meu coração.

Imagem de poema
que tornou-se o tema
da minha canção.

Menina tão bonita
que encheu de sol
todo o meu viver

E ao te ver crescendo
deu uma saudade,
enorme de você.

Quero ter-te perto,
pois bem sei, ao certo,
podes me esquecer

Mas em meu peito fica
tua imagem linda
a me renascer

Menina tão bonita
que veio de mim:
eu amo você.