terça-feira, 25 de setembro de 2012

A SESSÃO, O SAPOTI E A SURRA





Aconteceu entre 1958 e 1960, não sei precisar a época certa, devia ter oito ou dez anos. Como de hábito semanal, reuníamos alguns amigos para ir ao cinema. Sempre tinha no mínimo, cinco ou mais crianças e uma mais “velha” pra tomar conta da molecada. Um grupo animado de futuros cinéfilos.
Fomos ao Cine Poty, no final da Av. Deodoro, sessão das duas – pra voltar cedo pra casa. Edna, a mais velha, liderava o grupo. Apenas eu e ela de mulher, e muitos  meninos. Além de ser filha de gente abastada (o pai era dono da famosa Movelaria Globo, ali vizinho à rua onde eu morava), era uma menina sapeca, ousada, loura e muito alegre.  Eu a admirava pela modernidade e, principalmente, porque na casa dela tinha uma sanfona e bicicleta, ora vejam só.  Meus anseios musicais e de liberdade falavam alto em tenra idade.
Voltando ao passeio, terminada a sessão de cinema, resolvemos ir a pé – uma distância e tanto – para casa. Descemos a ladeira em frente ao Cine Poty em direção à Ribeira, saímos por trás do Teatro Alberto Maranhão e seguimos, agora subindo, pela Av. Junqueira Aires, pelo lado da sombra.
À altura do Centro de Saúde – um velho prédio próximo à antiga Capitania das Artes -, não resistimos ao sapotizeiro.  Lá estava, aquela árvore imponente talvez secular, com mais de quinze metros de altura e repleto de sapotis, minha fruta preferida.  Era muito alta, não arriscaríamos nossos lindos vestidos de organdi subindo pra colher o fruto. Os meninos preferiram procurar pedras e paus pra jogar na árvore, assim, quem sabe, cairia algum. Nada! Aquela árvore gigante e majestosa afrontava nossa pequenez.
Eis que Edna teve uma “brilhante idéia”: jogar sua linda carteira (bolsa) social na árvore e ocorreu o inesperado. Melhor dizendo, a bolsa da Edna enganchou nos galhos e não caía por nada desse mundo. Agora era a bolsa da amiga o objeto principal, o sapoti ficou esquecido.
A noite caiu, a nossa aflição infantil foi aumentando e deu lugar ao estado de euforia no início da traquinagem. Cada um com seus medos, a educação era rigorosa na época, inventava uma desculpa mais apropriada. Já por volta das oito horas, de tanto chacoalhar os galhos da árvore, a bolsa caiu e fomos em direção ao nosso bairro, o Alecrim, com o coração na mão.
Não adiantou contar a história verdadeira, não colou. Eu tomei uma bela surra, por vários motivos: por não ter vindo direto para casa após o cinema, por ter vindo a pé, pela farra com os meninos no sapotizeiro, por ter chegado em casa em “altas horas” para uma criança.
Mas que foi uma aventura e tanto, foi. Tudo por um sapoti, valeu a pena!

Bsb, 25/set/2012

Foi aqui, nessa rua, onde tudo aconteceu. Av. Junqueira Aires, Natal (RN)
 Do lado esquerdo subindo mais um pouco.



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