By Mércia Dantas
Ela estava desesperada, havia
sido abandonada num hospício e berrava aos prantos pra não a deixarem ali.
Gritava a todos os pulmões que iria morrer, que não iria suportar aquilo. Já
estava sem forças. Naquele instante, a morte seria bem vinda, alentadora, uma
benção divina. Era tudo que ela queria, deixar de viver, por não entender como
podiam fazer isso com ela. De repente, alguém chega e a envolve com um terno
abraço e coloca um cigarro entre seus lábios. Ela tinha deixado de fumar há
tantos anos, nem sabia mais como era. Mas, viciado é viciado sempre e ela
tragou aquele cigarro profundamente e deixou-se levar por aquela fumaça. E
sentiu-se acalentada, acarinhada, protegida, compreendida, tudo que ela
precisava naquele instante. Deixou-se ficar na mornitude daquele abraço. Aquela
estranha era o anjo enviado pra ajudá-la a minorar o sofrimento, pensou. E a
estranha cuidou dela por muitos dias, às vezes a maltratava. Era insana em alto
grau e tinha feito da nova paciente seu brinquedo. Não pôde evitar que lhe
dessem o “sossega leão”, foram tantas vezes. Mas, segurava sua mão e a levava a
passear pelo restrito espaço rigorosamente vigiado, conseguia cigarros com
facilidade e enfiava na sua boca, como a dizer: fume, aqui não tem muito o que
fazer, tente esquecer que estamos aqui. A nova paciente era bondosa e ficava
com pena daquela criatura que, entre um surto e outro, misturava atitudes
carinhosas e protetoras com ameaças. Em algumas noites, a novata a colocou em
sua estreita cama forrada com o plástico imundo e a cobriu com seu edredon. Era
um tempo chuvoso, fazia frio e o vidro da janela cheio de furos, deixava entrar
água, formigas, pernilongos, toda sorte de insetos e molhava a sua cama. Já não
bastava aquele banheiro imundo, fedorento, de portas quebradas, além dos
maltratos dos “enfermeiros”, aquele café com leite e o pão doce que atraía uma
centena de moscas. Semanas depois foram colocadas em pavilhões distintos. A
nova paciente recebia ameaças e até chegou a levar socos e murros em sua
cabeça. Não tinha como permanecerem juntas. Já estava recebendo juras de morte.
O anjo revelara-se demônio. E agora? Como entender que alguém tão amigo, tão
carinhoso, de repente quisesse por fim a sua vida? Que mal tinha lhe feito
aquela nova paciente? Novo desgosto, porque a novata tinha deixado crescer
dentro de si um sentimento de gratidão e uma afeição diferente de tudo que já
tinha provado antes. Dias depois, quase um mês sentindo-se uma estranha no
ninho, conseguiu alta e voltou para casa. Ficou um misto de carinho e dor e
saudade. Vá entender como se gosta de alguém que a maltrata? Mas, ficou o
registro do socorro, da solidariedade. O abraço na hora mais triste, a proteção
e o cuidado com a fragilidade daquele ser humano que não houve pelos seus. Num
simples gesto, ela disse: você não está só, vou cuidar de você, vou te dar
proteção. É fácil de entender, difícil de esquecer alguém assim. Afinal, ela
tinha sido a droga da hora.
BsB, 01/fev/2014