domingo, 23 de setembro de 2012

CRÔNICAS DE UMA NOITE CIRCENSE

Crônica um – A Cearense

Chegamos mais cedo para esperar uma filha e meu irmão, e assim entrarmos todos juntos no circo. Pra minha sorte, olho ao redor e havia alguns bancos de ferro (destes de praça) colocad
os estrategicamente. Uma coisa boa e rara, alguém com sensibilidade lembrou-se que algumas pessoas – como eu cheia de problemas nas articulações – precisam sentar. Dirijo-me correndo e uma outra senhora também, parecia que tivemos o mesmo pensamento. Deu pra nós duas e ainda sobrou um espaço para as bolsas. A mulher estava com um celular no pé do ouvido e, não tinha como não ouvir o teretetê. Ri por dentro e lembrei logo do meu cronista preferido do cotidiano de Brasília, Marcelo Abreu. Ah, mas ele tinha que estar ali comigo nessa hora. E ela tava agoniada, contava uns problemas e perguntava se a outra pessoa tinha o dinheiro da passagem de ônibus pra vir ao trabalho no dia seguinte. Identifiquei que era nordestina, esse jeitinho que somente nós temos de contar as coisas - depois confirmada pela mesma. Era uma ladainha, a ligação caiu, ligou de novo. Ao concluir a novela celulística, virou-se pra mim e desandou a contar: “mas a senhora não sabe, esses meninos só dão aperreio, mandei tudo entrar primeiro, agora fico ligando e eles não atendem o celular. Eu só pude vir pro circo e trazer eles porque recebi os ingressos de cortesia lá no meu trabalho. Minha preocupação mesmo é porque esqueci uma pasta minha com tudo que é documento e a empresa lá já foi arrombada várias vezes, eu tou com medo de perder meus papéis. Perguntei: a senhora é de onde? Sou Cearense, mas na verdade vim pra Brasília com cinco anos, quer dizer que sou mais candanga do que nordestina né? Ri por dentro novamente e pensei: mas o sotaquezinho da terra a gente não larga de jeito nenhum. Tenha fé em Deus que não vai acontecer nada com seus documentos não. Ainda aflita e alvoroçada, ela disse: eu vou ligar agora pra um vigilante da noite, que é gente boa, de confiança, pedir pra ele guardar minha pasta, amanhã eu pego com ele. Nisso, chegam os outros parentes e me despeço, desejando sorte, ela desejou-me um bom espetáculo.

Crônica dois – A Múmia Paralítica

Parece impossível que alguém que se disponha a assistir um espetáculo circense não consiga exprimir um único sorriso. Acreditem, esse alguém existe. Estava do meu lado, na verdade, ao lado do meu irmão que notou e me falou desta figura: um senhor com sua esposa que se dobrava em gargalhadas e ele, pasmem, simplesmente impassível, em todos os momentos do show, quase duas horas e meia. Inacreditável!!! Eu olhava a cada piada do palhaço, a cada momento engraçado e ele estava lá do mesmo jeito, olhava pro meu irmão e ríamos em dobro, com as palhaçadas e com esta situação. Apelidei logo o cara de múmia paralítica. Uma pessoa de mais de sessenta, pôxa eu também tenho e morri de rir, ri aos litros como dizem atualmente, nunca me diverti tanto. As pessoas deliravam, aplausos, assovios, gritos de alegria, muita adrenalina e o senhor continuava lá, com aquela cara de quem comeu e não gostou. Custava a acreditar que não houvesse um único instante em que a crispada e severa fisionomia daquele ser humano sofresse uma mínima alteração. Pobre homem, quantos momentos da mais pura alegria, perdeu nesta noite. Mulheres e homens lindos, corpos perfeitos, cores, luzes, músicas espetaculares, alegria, alegria, como em todo circo. O palhaço bem que tentou fazer todos rirem; todo palhaço é irresistível, um monte de bobagens engraçadas que nos faz sentir crianças e sem juízo. O homem da cara triste, esqueceu de deixar fora do circo seus monstros interiores, seus problemas, sua infelicidade, que pena.

Brasília, 13/set/2012 – Circo Tihany

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