quinta-feira, 26 de julho de 2012

MÃE CHIQUINHA


(minha avó paterna, esposa de Tonheca Dantas)

Mulata, filha de escrava, guerreira.
Mulher de ancas largas e olhos azuis.
Mistura das raças recém-abolição.

Espécie rara de cabelo pichauim
e belas pernas bem torneadas.

Doçura incomparável, voz de mel,
Que tanto PRAIEIRA (*) cantastes.
Apesar de ser analfabeta,
essa letra nunca errastes.

Mulher de comunicação, mesmo dizendo
na sua simplicidade: “não seio ler”,
mas tua neta sabia e escrevia as saudades
tal como Fernanda Montenegro
numa grande central do coração,
na Terra do Sol, no país chamado Brasil.

Saudades da mulher parideira, de filhos ausentes:
(Mirto, Afonso, Ademar e outros mais)

Mulher de tantas viagens e modelitos,
do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul.

Mulher que captava com rapidez
o sotaque e costumes fazendo rir seus netos,
da nova avó de “fala diferente” das terras onde pisou.

Ah! Que saudade daquele manteau com capuz,
que nunca usamos na Terra do Sol ardente.

Saudades de ti, Mãe Chiquinha,
antes de ser avó, uma verdadeira mãe
de colo e andar macios.
Jamais teve pressa.

Mulher sem alento, mulher sem lamento;
Amélia das Amélias, pura Camélia.


Flor amorosa cujos cabelos podei,
boca sem dentes, mas sem fel, nem fedor.
Pele fina e macia, sensível aos mais
tenros galhos dos nossos quintais.

Mulher solitária de muitos lares, nenhum seu.
Mulher de Tonheca, mulher de munheca,
que costurava “liformes” para americano
que só falava da vida como um encanto.

Ah! Minha velha, minha avó, quanta saudade.

Em teu colo puro e manso repousei minha infância
e te vi muda, ao não entender mais os “humanos”.

E não tivestes pressa em nos deixar...

Quase um século marcando presença,
ainda que silenciosa, porém eloquente.

E, ao sair desse mundo, não te chorei
minha querida avó. Olhei para o céu,
te vi brilhando, como a mais fulgurante
de todas as estrelas, quem sabe
até valsando com o vovô, uma linda valsa
chamada Royal Cinema.

PS - “liformes” = uniformes. Chamado assim, antigamente,
pelas pessoas nascidas no interior do RN

(*) PRAIEIRA – Serenata do Pescador, mais conhecida como Praieira, de autoria de Othoniel Menezes (poema) e melodia de Eduardo Medeiros (violinista). Por Decreto Legislativo, em 22/12/1971, foi considerada Canção Tradicional de Natal (RN).
Fonte: CD Nação Potiguar, que entitula o projeto de mesmo nome, da Fundação Hélo Galvão e parceria do Spritorin Candinha Bezerra – Natal (RN)

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