domingo, 12 de agosto de 2012

O TROMBONE


Herdado de Nelson Mattos, o melhor amigo,
o velho Yamaha jaz quieto, jogado num canto.

Dele e do especial e competente músico,
apenas as lembranças de tantos carnavais,
das matinès, soirès, noitadas adentro

Besame Mucho, do Ray, sem rei para herdar.

Fecho os olhos e escuto Carinhoso
tocado com a suavidade herdada de Tommy Dorsey,
assim conquistou mamãe, me disse.
E o Clube do Choro em Brasília, em 1981.

Regente, maestro, compositor,
arranjador e multi-instrumentista (como  vovô),
arrasava no Internacional Circo Tihany,
nosso Circ Du Soleil da época.

O trombone do América, da Assen, do Aero Clube,
da Rampa, do Ícaro, da banda da Base Aérea,
das orquestras da Deodoro e João Pessoa,
animando os foliões de Momo nas ruas.

Ele se confunde com você meu pai,
que vi seu carinho e dedicação a vida toda,
limpando-o com tomate e creme Pond´s,
o segredo do brilho, o deslizamento perfeito da vara

Obrigada por ter nos criado com seu sopro,
Obrigada por estar ainda entre a família, aos 96 anos.
Obrigada por ser sua morena cor de jambo

Mas a única coisa que eu sempre quis de você,
você não me deu: o aprendizado da música.
É minha maior frustração na vida.

Nunca percebeu que eu era sua sombra,
encantada com tudo que o senhor fazia,
com a disciplina militar, homem incansável
e sempre disposto a dar o melhor pra família.

Eu era menina e escondida, tentava tocar o trombone.
Acariciava cada nota de suas partituras escritas com letra tão bela:
as bolinhas com os pauzinhos pretos, como eu chamava.

Meu amor por você sempre foi grande,
ninguém amou você mais do que eu.
Mas resolvi não lhe ver mais, não falar mais,
já me despedi, às vezes penso que vou antes.
 
A vida não me ensinou a perder, nem você,
nem mamãe, nem o trombone, nem as partituras.
Perderam os guardados seus, na penteadeira de Maria.
Não tiveram zêlo pelo seu nome e grande história

Você sempre foi melhor do que vovô,
vai embora desse mundo sem deixar registros,
sem nome de rua, deixa só o trombone.

Mas me esforcei, ouvia sua frase sempre:
“vocês estudem pra não virar cabeceiros...” (*)

Estudei papai, mas você não percebeu
que eu era a aluna mais nova do Atheneu,
dez anos e sem música, o MEC tinha tirado.

Feliz Dia dos Pais, mesmo assim....

A mágoa ainda é grande, o amor também.
Quem sabe Over the Raibown a gente se encontre
e eu volte a lhe cantar Hino ao Amor, sua música preferida.

Brasília, 12/ago/2012 – Dia dos Pais

(*) Cabeceiros eram pessoas analfabetas, geralmente homens que, por falta de instrução, conseguiam sobreviver carregando compras do mercado para as madames da época. Traziam uma rodilha de pano na cabeça pra equilibrar o cesto enorme e pesado. Ganhavam algumas moedas.







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