quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A DROGA DA HORA


By Mércia Dantas

Ela estava desesperada, havia sido abandonada num hospício e berrava aos prantos pra não a deixarem ali. Gritava a todos os pulmões que iria morrer, que não iria suportar aquilo. Já estava sem forças. Naquele instante, a morte seria bem vinda, alentadora, uma benção divina. Era tudo que ela queria, deixar de viver, por não entender como podiam fazer isso com ela. De repente, alguém chega e a envolve com um terno abraço e coloca um cigarro entre seus lábios. Ela tinha deixado de fumar há tantos anos, nem sabia mais como era. Mas, viciado é viciado sempre e ela tragou aquele cigarro profundamente e deixou-se levar por aquela fumaça. E sentiu-se acalentada, acarinhada, protegida, compreendida, tudo que ela precisava naquele instante. Deixou-se ficar na mornitude daquele abraço. Aquela estranha era o anjo enviado pra ajudá-la a minorar o sofrimento, pensou. E a estranha cuidou dela por muitos dias, às vezes a maltratava. Era insana em alto grau e tinha feito da nova paciente seu brinquedo. Não pôde evitar que lhe dessem o “sossega leão”, foram tantas vezes. Mas, segurava sua mão e a levava a passear pelo restrito espaço rigorosamente vigiado, conseguia cigarros com facilidade e enfiava na sua boca, como a dizer: fume, aqui não tem muito o que fazer, tente esquecer que estamos aqui. A nova paciente era bondosa e ficava com pena daquela criatura que, entre um surto e outro, misturava atitudes carinhosas e protetoras com ameaças. Em algumas noites, a novata a colocou em sua estreita cama forrada com o plástico imundo e a cobriu com seu edredon. Era um tempo chuvoso, fazia frio e o vidro da janela cheio de furos, deixava entrar água, formigas, pernilongos, toda sorte de insetos e molhava a sua cama. Já não bastava aquele banheiro imundo, fedorento, de portas quebradas, além dos maltratos dos “enfermeiros”, aquele café com leite e o pão doce que atraía uma centena de moscas. Semanas depois foram colocadas em pavilhões distintos. A nova paciente recebia ameaças e até chegou a levar socos e murros em sua cabeça. Não tinha como permanecerem juntas. Já estava recebendo juras de morte. O anjo revelara-se demônio. E agora? Como entender que alguém tão amigo, tão carinhoso, de repente quisesse por fim a sua vida? Que mal tinha lhe feito aquela nova paciente? Novo desgosto, porque a novata tinha deixado crescer dentro de si um sentimento de gratidão e uma afeição diferente de tudo que já tinha provado antes. Dias depois, quase um mês sentindo-se uma estranha no ninho, conseguiu alta e voltou para casa. Ficou um misto de carinho e dor e saudade. Vá entender como se gosta de alguém que a maltrata? Mas, ficou o registro do socorro, da solidariedade. O abraço na hora mais triste, a proteção e o cuidado com a fragilidade daquele ser humano que não houve pelos seus. Num simples gesto, ela disse: você não está só, vou cuidar de você, vou te dar proteção. É fácil de entender, difícil de esquecer alguém assim. Afinal, ela tinha sido a droga da hora.


BsB, 01/fev/2014


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